Cansaço e volante não combinam. Quem dirige muito cansado, corre maior risco de sofrer acidente e morrer. É o que comprova o estudo “Morte no Trânsito – Tragédia Rodoviária”, realizado pelo SOS Estradas – programa que visa reduzir os acidentes e aumentar a segurança nas rodovias -, no ano passado. Segundo o levantamento, 20% dos acidentes são provocados pelo cansaço do motorista, que, muitas vezes, acaba cochilando no volante. O fator também é responsável por 30% das 24 mil mortes que ocorrem todos os anos nas rodovias brasileiras.

O cansaço faz com que o condutor demore para ter consciência de uma situação de risco e, dessa forma, reagir. A falta de descanso, conforme aponta o SOS Estradas, resulta, por exemplo, na perda de reflexos do motorista, em fadiga física, sonolência, irritabilidade e problemas posturais.

A estatística também aponta que os condutores, especialmente caminhoneiros, os quais realizam viagens interestaduais e intermunicipais, devem cumprir jornada de até oito horas de trabalho com descanso a cada duas horas ou, no máximo, três horas, com intervalos entre uma jornada e outra de, no mínimo, 24 horas a 36 horas. Na maioria dos casos, essa determinação não é cumprida, constata o levantamento.

De acordo com o major Benedito Roberto Meira, subcomandante do 2.º Batalhão do Policiamento Rodoviário de Bauru, os acidentes em decorrência do sono acontecem, principalmente, quando o condutor está a uma hora de chegar ao seu destino. Ele explica que, na ansiedade de completar o percurso, o motorista, embora cansado, trava um embate com o sono e continua a viagem, a qual, em muitos casos, é interrompida por um acidente.

Entre os adultos, os motoristas que mais se envolvem em acidentes têm entre 30 e 40 anos, de acordo com Meira. Já entre os jovens são os que têm entre 18 e 25 anos. O major destaca ainda que a maior freqüência de desastres automobilísticos nas estradas é na madrugada, após o almoço ou ainda no começo da noite.

“Não aconselho ninguém a viajar nesses horários, principalmente os caminhoneiros, que preferem pegar a estrada no período da noite. São momentos do dia que oferecem desgaste ao motorista, por isso, é necessária muita cautela”, diz.

Para o oficial, a melhor maneira de combater o cansaço e o sono é, de fato, dormir. Ele desaprova a utilização dos chamados “arrebites” – bebidas estimulantes – como refrigerante com café e energéticos, porque, segundo ele, não apresentam o efeito esperado.

São raros, mas existem algumas rodovias, como a Castello Branco, que têm bolsões de descanso para motoristas. Esses locais são espaços paralelos às estradas destinados, exclusivamente, ao estacionamento de veículos, onde o motorista possa parar para descansar.

O capitão Daniel Correia de Godoy, do Policiamento Rodoviário, diz que esses lugares ainda são muito pouco utilizados. Ele acredita que isso ocorra em razão da falta de segurança dos locais. “O veículo fica seguro apenas contra o tráfego. Contra o crime, não há nenhum tipo de segurança, haja vista que a iluminação é precária. O ideal, mesmo, é estacionar somente durante o dia ou procurar por um posto de abastecimento”, comenta.

No Sindicato dos Condutores de Veículos Rodoviários de Bauru (Sindtran), as reclamações de sobrecarga horária de serviços dos motoristas são mínimas. Não ultrapassam duas ao mês, diz o presidente do sindicato Antônio de Freitas.

No entanto, segundo ele, a entidade tem conhecimento de que as empresas não cumprem a carga horária determinada por lei, que é de sete horas e 20 minutos, podendo haver mais duas horas extras. “Os caminhoneiros e motoristas de coletivos têm medo de perder o emprego, por isso se submetem a trabalhar até quatro horas a mais. Sem a denúncia deles, fica difícil para a gente fiscalizar”, explica Freitas.

Descansar é o ideal

Quantidade, qualidade e ritmo adequados de sono. Esses são três procedimentos necessários para evitar o cansaço e a sonolência no volante, segundo o neurologista do Instituto do Sono em São Paulo, Luciano Ribeiro Pinto Júnior.

“Qualquer alteração num desses sistemas, a conseqüência será a sonolência. O jeito é atender o organismo. Não adianta pó de guaraná porque o sono é traiçoeiro. Quando ele vem, quer ser atendido. Por isso, não adianta lavar o rosto e ficar brigando com o cansaço. O ideal é parar, descansar, dormir e, só depois, seguir viagem”, alerta.

Pinto Júnior também ressalta que a sonolência dos motoristas, principalmente à tarde, também pode ser causada por um distúrbio denominado apinéia do sono. Ele explica que é um problema que atinge, principalmente, homens com idade a partir dos 45 anos.

Sem perceber, explica o médico, a pessoa acorda várias vezes durante a noite e, ao levantar pela manhã, tem a sensação de uma noite mal dormida. Essa fragmentação do sono, conforme ele, vai resultar em sonolência durante o dia.

Motoristas

São poucos os motoristas que realmente admitem serem teimosos no volante quando o sono aparece. Paulo Calabrez, de 43 anos, dirige há mais de 20 anos, já transportou carga e, atualmente, trabalha com ônibus intermunicipal. Ele afirma que assim que sente sono ao estar dirigindo, procura estacionar o veículo no posto mais próximo para lavar o rosto a fim de despertar. “Assim, dá para viajar mais duas ou três horas, tranqüilamente. Nunca usei ‘arrebites’”, conta.

O comerciante Jeiel Palma da Silva, 47 anos, também alega tomar cuidado quando sente sono enquanto dirige. Ele diz nunca ter sofrido acidente, já que raramente pega a estrada desacompanhado. “Sempre tem que ter alguém para conversar comigo. Quando o sono vem, paro e jogo uma aguinha no rosto”, diz.

Já o frentista Carlos Henrique de Souza, 21 anos, pouco se incomoda com o cansaço quando viaja com sua moto. “É difícil eu fazer alguma parada. Só faço quando vejo que não vou agüentar e aproveito para tomar um café com refrigerante”, ressalta.

Principalmente entre motoristas de caminhões, uma crendice, que provavelmente qualquer policial desaprovaria, é praticada com o objetivo de afastar o sono. Segundo a crença, o condutor que precisa dormir antes de pegar a estrada, porém não consegue, deve tomar três colheres (de sopa) de cerveja.

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