Pouco a pouco, as velhas peruas e vans, com ar-condicionado e capacidade de até 20 pessoas, estão ficando para trás. A nova tática dos perueiros para faturar alto com o transporte clandestino em Minas Gerais é levar e trazer passageiros em carros de passeio. A estratégia visa confundir os agentes de trânsito, que não têm como identificar os veículos piratas e fazer autuações. As dificuldades dos flagrantes obrigam o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-MG), responsável pela fiscalização das viagens intermunicipais, a aumentar o rigor contra os irregulares, que, além de multados, vão passar a ser processados por usurpação de função pública.

Cada dia com uma roupagem diferente, a farra dos perueiros continua nas principais rodovias federais e estaduais do estado. Na capital e municípios da região metropolitana, a disputa com os ônibus é feita, sem constrangimento, nos pontos de parada. Na BR-040, saída para Brasília, os carros particulares chegam a fazer fila em frente à Central de Abastecimento (Ceasa), que, com 80 mil freqüentadores todos os dias, é tida pelos clandestinos como uma “galinha dos ovos de ouro”. O transporte para cidades como Contagem e Ribeirão das Neves é oferecido pelo mesmo preço do coletivo. O conforto e a rapidez dos veículos são a vantagem do serviço, que ganhou a preferência de centenas de pessoas. Além de ar-condicionado e som ambiente, alguns têm até televisão para distrair os passageiros.

O elevado número de carros toma todo o espaço dos ônibus e obriga os motoristas do transporte coletivo a parar na fila dupla. Agenciadores, munidos de radiocomunicadores, avisam sobre a presença de fiscais e controlam a chegada dos clandestinos, que se concentram em um estacionamento improvisado, nas imediações. Para os perueiros, a troca das vans por veículos com capacidade para, no máximo, quatro pessoas, significa lucro menor nas viagens, mas uma significativa economia com multas.

Um deles, que se identifica como José, resolveu aposentar, ano passado, a perua que usava desde 1998. A compra de um Monza velho, com aparência de carro de família, deu tão certo que ele chega a fazer 15 viagens diárias, a R$ 2,70, entre a Ceasa e o bairro Veneza, em Neves. “Sempre trabalhei nessa rota, com veículo para 12 passageiros, mas cansei de ser parado em blitzes. Fiz negócio com ele e, com o dinheiro, comprei o carro e paguei as multas. Van, hoje, é coisa para ‘trouxa’, que quer ser visado pelos fiscais”, relata ele, dizendo que a maioria dos colegas fez o mesmo.

O companheiro de ponto, que se apresenta como Luiz e dirige um Gol branco para o bairro Florença, também em Neves, diz que, apesar da camuflagem, nem sempre é possível se livrar das multas. “Porém, a quantidade não chega nem perto do que se coleciona com uma van”, afirma. Na quarta-feira, a equipe do Estado de Minas presenciou a autuação de um perueiro em frente à Ceasa, pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). Quinze minutos depois, no entanto, o ponto de ônibus estava novamente cheio de clandestinos.

O chefe do Núcleo de Comunicação Social da PRF, inspetor Aristides Amaral Júnior, afirma que a guerra contra os perueiros tem sido mais dura. “Dificilmente temos conseguido caracterizar o flagrante, porque os passageiros são coniventes com os motoristas e não os entregam. Se o transporte é feito em carro particular, a única prova que temos é a confissão”, explica. Diante das dificuldades, segundo ele, a solução tem sido multar os condutores, diretamente, nos pontos de ônibus. O problema é que não temos viaturas suficientes para vigiar todos eles”, lamenta.

DER quer processar motorista infrator O transporte clandestino de passageiros é infração prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), implica multa de R$ 85,13 e perda de quatro pontos no prontuário. O diretor do Departamento de Fiscalização Operacional do DER, Lindberg Ribeiro Garcia, afirma que o órgão pretende mudar a estratégia contra os perueiros. Além da multa, quem for flagrado será processado por usurpação de função pública, crime previsto no Código Penal, que acarreta três meses a dois anos de cadeia, fora a multa. “Quem transporta passageiros com carro particular está roubando o papel de um credenciado pelo estado”, justifica. “No ano passado, mudamos a legislação e aumentamos o rigor contra os piratas, o que permitiu que 2,5 milhões de passageiros voltassem ao sistema regular. Mas eles sempre encontram um “jeitinho” para continuar atuando”, comenta.

Nas imediações da rodoviária de Belo Horizonte, ponto de partida de viagens clandestinas para o interior, os carros particulares, aos poucos, começam a conquistar os perueiros. Dali, já é possível seguir para vários destinos, como Teófilo Otoni, Governador Valadares e Montes Claros, pagando até 30% menos, em veículos de passeio. Um dos aliciadores, que vende passagens na porta do terminal, enumera as “vantagens”: “Temos vários modelos – Palio, Versailles, Santana e Uno -, com porta-malas grande e máximo de quatro passageiros. A viagem é bem mais rápida que a do ônibus e te deixamos na porta de casa”.

Um colega, que também negocia viagens, explica que, para compensar o número menor de passageiros, os perueiros cobram mais caro a passagem de volta. “No interior, a oferta é menor e dá para fazer um preço mais alto”, alega.

Quem adere ao serviço abre mão da garantia de segurança, em troca de facilidades. De 2000 a 2005, de acordo com o DER, os acidentes com veículos irregulares deixaram 1,2 mil feridos. O número de mortos (345) é três vezes maior que o registrado nas batidas com ônibus e microônibus do sistema oficial. A costureira Flávia Eliane Rafael, de 27 anos, se diz consciente dos riscos, mas prefere os carros particulares da Ceasa na volta para casa. “Às vezes, os perueiros correm demais e dá um pouco de medo. Mas o serviço deles é melhor e mais ágil”, compara.

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