Da janela de casa Lídia Cabral Costa Sales, 43 anos, observa a Rua Aracruz – via no bairro Nova Paraná, em Campo Grande, onde há quatro meses morreu atropelado seu sobrinho Marcos Vinicius Cabral de Sousa, de apenas oito anos. Ele desceu do ônibus para buscar o passe estudantil que havia esquecido do outro lado da rua. Ao atravessar foi atingido por um carro.
“Claro que a gente não pode falar que o motorista tinha intenção de matar. Mas a gente pode falar que ele foi imprudente”, opina Lídia. “O laudo da perícia apontou que ele (motorista) estava de 90 a 160 km/h. Um carro na mão de quem não sabe usar vira uma arma”, emenda.

Só em setembro, mês em que morreu Vinícius, mais 21 pessoas perderam a vida em acidentes de trânsito. Conforme dados do IML (Instituto Médico Legal) da Capital, a imprudência ou desatenção no trânsito foram responsáveis por pelo menos 34% das 770 mortes de 2005, ou 269 casos. O mês de outubro foi o mais violento: 35 mortes – mais que uma por dia.

Em 2004, os registros foram um pouco menor: das mortes com causa definida*, 231 foram por acidente no trânsito. Deste total, 61 vítimas tinham até 25 anos. Já em 2005, dos 269 registros, 78 pessoas tinham 25 anos ou menos; 17, até 15 anos.

As mortes, que acabam se tornando números em uma estatística representam dor e perda com seqüelas para os familiares. Lídia faz tratamento médico desde a morte do sobrinho. “Eu fui a terceira da família a chegar lá, depois de meus dois filhos. Você ver uma criança se afogando em sangue sem poder fazer nada é terrível”.

Um dia depois do atropelamento do garoto, moradores do bairro trancaram a via em protesto. Hoje um quebra-molas serve de obstáculo para os mais apressados. “Muitas pessoas morreram nesta rua. Só que quando acontece com você a dor é diferente. Talvez se eu tivesse ajudado os outros isso não teria acontecido”, lamenta.

Na opinião dela outros redutores de velocidade ainda são necessários no bairro. “Nós vamos lutar até não poder mais. Pelos outros filhos e vizinhos que moram aqui. Queremos uma cidade bonita e tranqüila no trânsito”.

Individualismo – Para o comandante da Ciptran (Companhia Independente de Policiamento e Trânsito da Capital), capitão Paulo Rogério de Carvalho, as mortes resultam da imprudência aliada ao excesso de velocidade. “As pessoas são muito individualistas e acabam cometendo imprudências. Ultrapassam indevidamente ou aceleram o carro para poder passar pelo sinal”, exemplifica.

Carvalho acredita que a saída é a realização de campanhas educativas. “A educação a única forma de conscientizar o cidadão”. Ele conta que dos acidentes envolvendo motociclistas, em 70% dos casos o piloto se acidenta sozinho – perdendo o equilíbrio ou colidindo com um poste, por exemplo; 85% das colisões ocorrem em vias sinalizadas. “Essas são ações que acabam fugindo do nosso alcance, já que quem pode evitar é justamente o motorista”.

Para tentar educar o condutor, a Ciptran promove diversas ações nas vias de Campo Grande. Até 25 de janeiro ocorre o ‘Verão Alerta’, com objetivo de verificar a manutenção dos veículos. A partir de 15 de fevereiro a companhia se volta para o Moto Road e na seqüência retoma o PARA (Programa para Redução de Acidentes) – que distribui policiais ao longo das vias mais perigosas e promove ações educativas.

“Essas campanhas servem para verificar o aspecto legal do código e o problema maior, o aspecto emocional, que precisa ser trabalhado”.

Homicídios – Depois dos acidentes de trânsito, o homicídio por arma de fogo é o mais presente entre os registros de mortes no IML. Foram 151 em 2004 e 146 em 2005 – naqueles em que foi especificado o tipo de morte. Se incluídos os óbitos sem detalhamento, por espancamento e esfaqueamento, os dados de 2004 sobem para 226 e, de 2005, para 228.

Muitas mortes ocorrem por motivos banais ou mesmo atingem inocentes. É o caso de Jader Dias Pereira de Souza, 19 anos, assassinado com dois tiros na cabeça após sair do colégio no dia 20 de abril do ano passado, no bairro Campo Belo. “Se o meu filho fosse bandido talvez eu ficasse em paz, mas eu não tenho paz e o bandido que o matou está solto”, relata, transtornada, a mãe Marilza Pereira, 38 anos.

Os garotos que o mataram pretendiam atingir outro rapaz, devido a uma rixa. O alvo da perseguição teria fugido e Souza acabou sendo morto. “Ele estava no terceiro ano, ia fazer vestibular para Educação Física”, relembra Marilza. “Eu não quero vingança, só quero que o bandido pague o que fez”, reitera. “Enquanto isso a gente vai esperando. Mas Deus vai parar essa injustiça”.

Ela conta que o autor dos disparos, Rosimiro Mendes, de 26 anos, mora na região e está solto. Ele já foi denunciado à Justiça.

Em 2005, 78 dos assassinatos por arma de fogo envolveram menores de 29 anos. A maioria das vítimas tinha entre 14 a 22 anos.

*Todos os dados do IML estão registrados em um livro. Algumas mortes ocorrem em cidades vizinhas, como Terenos e Bandeirantes, e os corpos passam por necropsia na Capital, porém a maioria é de Campo Grande. Nem todo os registros especificam a causa da morte. A reportagem foi baseada no número de casos que continham especificação.

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